sábado, 14 de agosto de 2010

Crônicas do rock.



Tocam a campainha e há um estrondo em meus ouvidos.A empregada estava de folga, o remédio era atender o mau caráter que me batia á porta áquela hora da manhã.Vejo o camarada do bigodinho com o embrulho largo e enfeitado.
-É aqui que mora a senhorita Regina Celi?
Digo que não e fulmino o importuno com um olhar cheio de ódio e sono, mas antes de fechar a porta sinto alguma coisa de íntimo naquele "senhorita Regina Celi", sim, há uma Regina Celi em minha casa, minha própria filha, mas apenas 12 anos, uma guria bochechuda ainda, não merecia o título e a função de senhorita.
Chamo o homem que já estava no elevador.Eram CDs, a garota encomendara mundão de CDs numa loja próxima, e pedira que mandassem as novidades, pois as novidades estavam ali, embrulhadinhas e com a nota fiscal bem ás claras.
Gemo surdamente na hora de assinar o cheque e recebo o embrulho.A garota dormia impune, o mundo podia desabar, e ninguém a despertaria do sono 12 anos.Deixo o embrulho em cima do som e volto para cama, forçar o sono e a tranquilidade interior, abalada pelo cheque tão matutino e fora de propósito.Quando ordeno os pensamentos e ambições do estreito espaço do meu pensamento e retomo um sono e um sonho sem cor nem gosto, começa o rock.
Anos atrás, seria começa o beguine.Mas o beguine passou de moda, e swing, o mambo, o baião e outras pragas vindas de alheias e próprias pragas.Pois aí estava o rock, matinal, cor de sangue e metal inundando o dia e o quarto com sua voz rouca, seu compasso monótono e histérico.
Purgo honestamente meus pecados e lembro o pai, que me aturava a mania pelos sambas de Ary Barroso.O velho nao dizia nada, mas me olhava fundo e talvez tivesse ganas de me esganar.Mas me aturava e aturava o meu Brasil brasileiro.
Hoje, aturo o rock.Vou ao banheiro, lavo o rosto, visto um short e vou para a sala disposto a causar boa impressão á senhorita Regina Celi, que de babydoll, esbaforida, se degringola ao som de U2.
O tapete já fora arrastado e amarfanho a um canto.Meu castiçal de prata foi profanado com a cara de um tipo até simpatico que naquela manhã ganhará alguma coisa á custa do meu labor e cheque.
A senhorita Regina Celi tem a cara afogueada, os pés e as pernas avançam e ficam no mesmo lugar, o corpo todo treme e sua, até que ela me estende o braço.
-Vem,papai!
Mas ali estamos, eu e a senhorita Regina Celi, uma menina que ainda pego no colo e aqueço com meu amor e o meu carinho, quando ela tem medo do mundo ou de não saber os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas na hora do exame.Ela me chama e me perdoa.
Então, aumento o volume do som, espero o tal do U2 dar um grito histérico e medonho e esqueço o cheque, a vida e a faina humana rebolando este cansado corpo-pasto de espantos até que o fôlego e o U2 acabem na manhã e no som.

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